quarta-feira, 29 de abril de 2009

As Éguas Lusitanas

“Ninguém ignora que na Lusitânea, nas proximidades de Olisipo (Lisboa) e das margens do Tejo, as éguas voltam a cabeça para o vento ocidental e ficam fecundadas por ele; os potros assim gerados possuem uma admirável ligeireza, mas morrem antes dos três anos.”

(Plínio, VIII, 67)

Para os antigos, a península hispânica situava-se num extremo do extenso universo imperial romano. E sobre aquilo que é longínquo e menos conhecido temos normalmente muitas estórias para contar, quase sempre fantásticas e inventadas.

Tanto Virgílio (Geórgicas, III) como Plínio fizeram eco da fábula das éguas dos arredores de Lisboa, provavelmente devido à hipérbole “filhos do vento” aplicada aos cavalos mais velozes.

O velho princípio de vida que reza sobre o equilíbrio entre as vantagens e os inconvenientes está aqui bem explicitado. Como diz a sabedoria popular portuguesa, não se pode ter sol na eira e chuva no nabal. Se as éguas de Lisboa eram fecundadas apenas pelo soprar do vento ocidental (vindo do vasto e desconhecido mar atlântico), e os potros assim gerados se distinguiam pela sua velocidade, havia que encontrar uma característica negativa, para que a estória fosse minimamente credível. Sendo assim, os “filhos do vento” não podiam viver durante muito tempo.

Por outro lado, quem passa pela vida assim com tanta pressa acaba inevitavelmente por morrer cedo, como ilustram alguns mitos pop da era moderna como James Dean e Marilyn Monroe, ou os heróis trágicos da ficção literária.

Diz o povo que, quando a esmola é muita o pobre desconfia. Por isso nos tornámos cínicos, estribados na face lunar de uma experiência de vida, sobrevalorizando os episódios negativos, e aprendemos a jogar à defesa, de modo a evitar decepções futuras e o sofrimento a elas associado. Como se não fosse possível ou viável ser feliz.

Alguns, que transportam para a vida sentimental esta filosofia de vida, acabam acantonados num extremo solitário e infeliz, e a amaldiçoar o mundo e as pessoas.

Mas hoje toda a gente quer viver nos limites do risco e morrer tarde. Trabalhar pouco e ganhar muito. Estudar pouco e mal e pretender dispor de competências adequadas aos desafios profissionais emergentes. Criticar quem serve a coisa pública e ficar de fora a assistir e a gozar o pratinho com as dificuldades e os insucessos dos outros.

O estilo de vida assente em expedientes de vária ordem, na cunha como instituição, nas portas abertas pelo cartão partidário, no nepotismo, na concorrência desleal e na corrupção tornou-se moeda corrente entre nós, como sinal de uma sociedade que cada vez premeia menos o mérito, o esforço pessoal e o trabalho, mas onde a chico-espertice abunda.

Tornámo-nos filhos fáceis das éguas lusitanas (sem ofensa!), corremos muito depressa. Tão depressa que nunca mais paramos para pensar que um dia, mais cedo ou mais tarde, havemos de cortar a meta. Temos medo de pensar na inevitabilidade da morte. Incomoda-nos o tema.

No fundo, nem as éguas concebem assim tão facilmente, como que por artes mágicas, nem os potros têm o destino marcado, como se o favor dos deuses estivesse sempre associado a um alto preço.

A verdade é que a vida (e a morte) depende muito das opções que se tomam a cada momento. E depois há ainda que contar com a significativa faixa do imponderável.

Via A Ovelha Perdida