segunda-feira, 13 de abril de 2009

Uma Carta para Éfeso

Quer pessoalmente, quer por epístola, quer por interposta pessoa, como aconteceu com Timóteo (1ª Timóteo 1:3-7), Paulo nunca deixou de orientar e admoestar os cristão da igreja na cidade de Éfeso. Estando perto ou longe, presente ou ausente, esta foi uma igreja que esteve sempre no coração de Paulo.

Fundada no ano de 53 d.c., precisamente por si próprio, ele retornaria lá e permaneceria consecutivamente, durante três anos, ocupando-se no ensino das escrituras e na doutrinação da igreja. Em Éfeso trabalharam também Áquila e Priscila (Actos 18:26), um casal, e ambos cooperadores de Paulo. Aí trabalhou igualmente Timóteo ( 1ª Timóteo 1:3 ) bem como outros ilustres homens de Deus que por ali passaram de viagem para outras paragens tais como Apolo (Actos 18:24), ou ainda mensageiros de Paulo, nomeadamente Tíquico ( Efésios 6:21).

Nas diversas referências que encontramos na Bíblia Sagrada sobre os cristãos efésios, podemos concluir que, desde o início da igreja de Éfeso, houve uma preocupação muito grande de que fossem examinadas as doutrinas ali pregadas e aceite apenas aquilo que estivesse em linha com o verdadeiro ensino cristão. Foi nessa perspectiva que Paulo exortou os presbíteros da igreja, quando os chamou a Mileto para falar com eles, sobre o cuidado a ter com falsos mestres e falsas doutrinas.

Entre os falsos mestres, acerca dos quais Paulo alertava, de certeza que se contavam os Gnósticos, cuja principal crença era «ser a matéria, incluindo o corpo, uma prisão inerentemente limitante ou até mesmo um obstáculo maligno para a boa alma ou espírito do ser humano, e que o espírito, essencialmente divino, sendo uma “centelha de Deus”, habitava o túmulo do corpo. Para todos os Gnósticos a salvação significava alcançar um tipo especial de conhecimento que não seria geralmente conhecido pelos cristãos comuns e nem sequer estaria à sua disposição. Tal GNÓSIS ou conhecimento, implicava reconhecer a verdadeira origem celestial do espírito, a sua natureza divina essencial, como uma parte do próprio “ser” de Deus, e Cristo como o mensageiro espiritual imaterial enviado por esse Deus desconhecido e incognoscível para buscar e resgatar as ”centelhas” dispersas do seu “ser” entretanto aprisionados em corpos materiais. Todos os Gnósticos acreditavam que Deus não havia encarnado em Jesus na realidade , mas que apenas tinha a aparência de um ser humano » [1] .

A verdade é que apesar dos sucessivos avisos do apóstolo, muitos cristãos do final do século I d.C. e do século II d.C. acabaram por ser atraídos para o Gnosticismo por verem nele uma forma de “vida cristã” mais elevada, do ponto de vista espiritual, do que aquela que resultava dos ensinos apostólicos e dos primeiros bispos pós-apostólicos e que tinha como principal alvo o povo, em geral pouco culto. O Gnosticismo apelava para um elitismo espiritual dentro de uma igreja que começava a desabrochar para a longa caminhada, agora já sem o olhar e o cuidado santo e avisado dos apóstolos do Senhor Jesus Cristo.

As doutrinas Gnósticas assentavam muito nas ideias filosóficas Platonistas, Aristotélicas e Estóicas sobre a suprema transcendência de Deus.

O deus grego é um conceito filosófico metafísico sincretista mas que distingue a matéria, passiva e inerte, do príncipio ou agente animador dessa matéria, sendo esse “agente animador” designado “deus” ou “razão”. Como vimos, nada tem a ver com o nosso Deus, o Deus verdadeiro, criador dos céus e terra e tudo quanto neles existe, e que sempre procurou o contacto e proximidade com a sua criação.

Atendendo a que tal conceito grego era dualista, isto é, separava o espírito do corpo, não foi difícil às ideias Platonistas fazerem a aproximação ao Cristianismo, percorrido que estava, também por elas, o caminho do monoteísmo. Para os gregos, deus é «imutável e pertence ao reino do “ser”; não pode ter nenhum contacto directo com o mundo dos homens da matéria. Portanto precisa de um mediador entre um mundo e outro mundo. Um título usado com frequência pelos gregos, para este poder ou príncipio mediador, foi “LOGOS” que tanto pode significar “RAZÃO” como “PALAVRA” (verbo)» [2]

Mas o “VERBO” grego era claramente separado de deus e inferior a ele. Estas ideias levaram a uma negação da deidade verdadeira do “VERBO”, um problema que foi enfrentado pela teologia cristã ao longo dos primeiros séculos no interior da igreja. Ou seja: do ponto de vista das ideias gregas, continuadas pelos Gnósticos, Jesus não poderia “encarnar” num corpo físico.

«O pensamento grego era predominantemente negativo sobre o mundo dos homens. Para os gregos, este é temporal e mutável, feito por uma deidade inferior, de uma matéria pré-existente. Não era criação do Supremo Deus». A abordagem filosófica deste tema enveredava normalmente pela via do ascetismo. O filósofo procurava elevar-se acima das coisas mundanas. Naturalmente que encontramos aqui algumas afinidades com o tema da necessidade de santificação da igreja de todos os tempos, contudo a motivação do ascetismo grego nada tinha a ver com a santificação, requerida aos salvos em Cristo, e transmitida pelos ensinos do próprio Senhor Jesus e dos seus apóstolos.

Os gregos desprezavam o mundo material porque era material e alterável, logo incompatível com um Deus imutável. A ressurreição do corpo, por exemplo, era para eles inaceitável e frontalmente contra toda a estrutura do pensamento grego, facto que o Apóstolo Paulo pode verificar, aliás, quando esteve no Areópago de Atenas ( Actos 17:18,32 ).

Imbuídos desta tarefa de expressar a fé cristã no meio do mundo de então, predominantemente dominado pelo pensamento e intelectualidade grega, muitos dos designados pais da igreja cumpriram cabalmente, de acordo com a sã doutrina recebida da igreja apostólica, outros, no entanto, perderam-se nos meandros do Platonismo deixando-se enredar pelos ideais Gnósticos, que eram assim como que um “género de cristianismo” caldeado pelo ideal grego que negava a imanência de Deus no mundo dos homens. Isso escancarou as portas da igreja dos primeiros séculos aos “lobos devoradores” e falsos mestres sobre os quais Paulo alertava os cristãos de Éfeso.

Face a exposto é-nos talvez mais fácil, a partir de agora, contextualizar o momento vivido pela igreja de Éfeso quando lhe é dirigida a primeira carta contida no livro bíblico de Apocalipse.

Jacinto Lourenço