segunda-feira, 11 de maio de 2009

Eu Assino por Baixo !

Encaixes

Por Ricardo Gondim

Por anos, vivi em missão. Eu não ia ao churrasco na casa da minha mãe, mas comparecia a uma cruzada de evangelização; não levava os filhos à praia, mas cumpria com os deveres de pai exemplar; não sentava à mesa para desfrutar da companhia dos amigos, mas testemunhava que os irmãos vivem em comunhão; não viajava de férias, mas aproveitava a conferência para descansar um ou dois dias. Minhas obrigações eram maior do que a minha alegria de viver. Os imperativos dispunham a minha agenda. Acossado pelo fantasma do dever a cumprir, nunca aprendi a dizer não, engoli os chatos de plantão, corri contra o vento. Sim, corri, corri, sem saber para que lado ia. Passei a maior parte da vida fazendo encaixes, tentando encrustrar os roteiros alheios na minha vida. Fui ator de um filme de quinta categoria, dirigido por uma equipe de diretores sem talento, estrelei em cinemas pulguentos. Decorei textos inexpressivos. Achava que a personagem vivia melhor do que eu. Não quero encaixar os meu parênteses nos textos que me entregaram para decorar. Amedrontado, intuí desaprovações infundadas. Desejo arrancar os cabrestos existenciais que eu mesmo coloquei na boca. Se me vi obrigado a sofrer com as minhas inadequações, sinto-me à vontade para despir máscaras e ser eu mesmo. Por anos, só li o que fosse “útil”. Cada vez que corria a vista em um romance, poesia ou crônica, sentia-me culpado. Quero dar folga aos meus olhos. Vou deixá-los ä vontade para que escolham o que desejarem. Vou despedir o bedel que fiscalizou a minha alma. Não admitirei que os demônios que reinam sobre o legalismo me dominem. Assino a minha própria alforria. Devo ter alcançado a idade em que já posso me dar ao luxo de desdenhar da fúria quixotesca que encantava a minha juventude. Se vivia a encaixar os meus amigos em minha confusa caderneta de compromisso, agora faço o contrário: vou procurá-los por eles mesmos, sem a preocupação de contabilizar os desdobramentos de nosso encontro. Condeno as minhas incumbências a esperarem. Os primeiros lugares do meu coração estão reservados aos meus amigos.

Soli Deo Gloria.