sexta-feira, 22 de maio de 2009

Viva a Sua Humanidade

[…] Vivemos no mundo das relações fluídas, dos compromissos instáveis, das promessas frágeis. Sobram poucos vínculos sólidos com a mobilidade urbana, com a redução dos núcleos familiares, com a competição do mercado. Ora, ora, quem seria leal a um supermercado sem preço competitivo? Para que continuar com um sabão em pó se existe outro mais barato e mais eficiente? Infelizmente, tal atitude transborda para as relações sociais. Observe os clubes. Antigamente as famílias se associavam não só por lazer, mas para conhecerem pessoas, formarem círculos de amizade. Em Fortaleza, minha terra natal, era sinal de status pertencer a um clube. O Maguary era da classe média baixa, o Náutico, para os mais abastados, mas a elite freqüentava o Ideal. Hoje, porém, quase todos fecharam ou estão em crise. Por quê? As pessoas já não querem compromisso, não desejam pertencimento. Qual o resultado desse distanciamento social? Filhos se mudam para longe do núcleo familiar, casamentos desabam com facilidade e primos passam anos sem se encontrar, mesmo morando numa mesma cidade. Não se culpe, não se sinta responsável pela rotatividade dos membros da comunidade, as pessoas não são necessariamente más ou ingratas, apenas vítimas do espírito da época. Ademais, com a crescente secularização, a igreja deixou de ser um centro. Sei que é cruel admitir isso, mas o pastor não passa de confeite de bolo. Explico a metáfora. Quando se assa um bolo, alguns ingredientes são essenciais, ovo, açúcar e farinha de trigo. Mas o confeite não é tão importante. Sem cobertura, um bolo continua um bolo. Por mais que os pastores se esforcem, muitos já não percebem a religião como primordial. Em feriados prolongados, não titubeiam em faltar ao culto; quando se inaugura uma igreja mais perto de casa, não hesitam em pedir transferência. Por mais que os pastores se autodenominem apóstolos, por mais que cobrem obediência, por mais que se proclamem autoridade divina, não passam de confeite, são menos relevantes. Lide com suas dores, mas considere essas questões. Não adianta esmurrar a ponta da faca. Você vive em um período peculiar da história e vai ser preciso que se adapte. Não cobre o que as pessoas não compreendem e não se culpe pelo que foge do seu controle. Por outro lado, mude o significado de sua comunidade. Não reforce a idéia de que deve “atrair” membros com eventos. Uma bela organização, discurso motivador, luzes, sons e promessas de milagres produzem crescimento numérico sim. Depois vem a dificuldade de manter o auditório. Quanta energia espiritual desperdiçada com espetáculos cada vez mais elaborados! Esqueça a noção de que a sua igreja precisa “acontecer” ou ser bem sucedida. Pare de contar "cabeças", de contabilizar finanças, de comparar estatísticas. A mesma multidão que lota o auditório famoso, correrá para quem oferecer mais facilidades, melhores sermões ou um amplo estacionamento. Sua vocação é conviver, não discursar; doar-se, não gerenciar. Infelizmente, o mundo corporativo vazou para dentro das igrejas e a maioria dos pastores se concentra em manejar o sagrado; desejam ser reverenciados como “ungidos” de Deus. Fuja disso! Viva sua humanidade. Permita que lhe façam companhia em sua jornada de pai, amigo, profeta e pastor. Doe-se sem esperar recompensa. Viva com gravidade e leveza, sobriedade e motejo, valentia e circunspeção. Seja inteiro em tudo. Realize-se na excelência de oferecer o melhor de si. Assim, quando alguém lhe der as costas, a dor será menor.
Soli Deo Gloria.