quarta-feira, 3 de março de 2010

Humildade

Há pouco, um amigo brincou na hora do almoço: “ainda hei de escrever um livro sobre como alcancei a verdadeira humildade”. Dei uma boa gargalhada, mas depois pensei: “disfarçamos arrogância com piadinhas desse tipo". O demônio da vaidade, que veste pele de cordeiro, se esconde nessas brincadeiras. Lidamos mal com a humildade porque o oposto também acontece: menosprezamos a nós próprios para revelar como conquistamos a virtude dos simples.

Algumas vezes me sinto forçado a assumir uma humildade que não é minha. Faço isso porque imagino conseguir calar a boca de meus inimigos se me ajoelhar em profunda consternação. Penso que deixarei as pessoas sem reação caso me auto-deprecie. “Com certeza”, sussurro em solilóquio, “aqueles olhares mordazes se contentarão ao me verem diminuído”.

Quero demonstrar o quanto estou acordado para a minha bestialidade; quero que meu pouco brilho seja suficiente para compensar possíveis suspeitas sobre minha arrogância. Rastejo procurando mostrar para probos conservadores que estou consciente de que não passaria em seus testes de qualidade. Torno-me desprezível imaginando que vou suavizar observações sobre meu nariz empinado. Mas os cenhos não relaxam. Parece que a minha humilhação é, e permancerá, insuficiente para refazer preconceitos.

Sendo assim, resolvo assumir uma pitada de altivez – Calma, tomarei todo o cuidado para que ela não degringole em soberba! – “A soberba precede a queda!”. Nutrirei apenas um santo orgulho; orgulho de ver-me sem depender do juízo de quem me odeia. Não quero mais condescender com o apetite voraz dos que não gostariam de mim nem que nascessem asas angelicais nas minhas costas. Jamais vou conseguir agradar quem já decidiu que sou intolerável.

Nesse santo orgulho, ressaltarei a Graça; Graça eficaz, que conseguiu transformar-me no que sou. Quando o alfinete dos bruxos estiver perto de envenenar-me com autodepreciação, gritarei o versículo paulino: “Sou o que sou pela Graça”.

Não me basto. Preciso de amigos, careço de interlocutores. Não me auto-referencio em nada. Não me avalio a partir dos palcos da vanglória. Mas, adianto-me em dizer: reconheço o meu valor. Sou único e especial. Minha existência é peculiar. Minha vida custou caro, caríssimo.

Recuso confundir humildade com auto-desprezo. Aprendi a ser misericordioso comigo mesmo. Rio de meus erros. Não me iludo, vez por outra tento encapar-me com pieguice. Mas se devo enfrentar o cotidiano áspero, vou encontrar coragem de seguir adiante; adquiro coragem amando a Deus e a mim mesmo.

Reconheço as minhas limitações, mas não escondo os meus talentos. Não, não sou um gênio. Jamais serei indicado para qualquer Academia Tupiniquim de Letras. Contudo, evito o outro extremo; não sou um zero à esquerda.

Estou satisfeito em lutar com as armas que disponho. Os meus parcos conteúdos são o que tenho.

André Comte-Sponville afirmou que “humildade é o ateísmo na primeira pessoa: o homem humilde é ateu de si, assim como o não-crente o é de Deus”. Desalojado de castelos inexpugnáveis, desnudado de falsas onipotências, aliviado de roteiros extenuantes, sigo celebrando a vida sem megalomanias; só posso oferecer o que tenho. Se não agrado a todos, se constranjo e se incomodo, lamento. O pouco que conheço de mim não dá para alardear grandeza, mas também não tenho o direito de ser inclemente comigo mesmo.

Recuso-me a posar de bom moço, essa humildade não passaria de empáfia.

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Soli Deo Gloria
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Via Ricardo Gondim