quinta-feira, 25 de março de 2010

A Nuvem por Juno

Íxion, diz-se, foi um ancestral rei dos lápitas, um povo conhecedor da arte equestre. Paixão não era, por outro lado, uma virtude sentimental das mulheres da Lápita e, por isso, Íxion apaixonou-se pela deusa Juno ( Hera ) , mulher de Júpiter ( Zeus ) . Ora Júpiter decidiu, por tal razão, aplicar um castigo exemplar a Íxion e fez com que uma nuvem assumisse o aspecto da deusa Juno e aceitasse dormir com Íxion. Desta relação terão nascido os Centauros, meio homens, meio cavalos. É uma das versões mitológicas que desemboca depois na explicação para a brutalidade e "desumanidade" dos Centauros retratada no cinema e na literatura. «Os filhos de Íxion simbolizavam a força bruta, insensata e cega. Viviam originalmente nas montanhas da Tessália e alimentavam-se de carne crua».
Assumidamente, tenho cada vez mais dificuldade em interagir, genericamente, com o mundo em que vivo, e não estou só a falar de Portugal, já que, como diz a canção, " para esse peditório o pessoal já deu" . Faz-se viva para mim, todos os dias, a Palavra de Deus em João : " Estava no mundo, e o mundo foi feito por ele, e o mundo não o compreendeu " .
Há temas que me assustam porque reveladores do lado mais obscuro, brutal, degradante e diabólico do ser humano, como seja a pedofilia. Cada vez se torna mais complicado distinguir a componente humana que subsiste na acentuada tendência para a "bestialização" do homem resultado dos seus casamentos forçados pela miséria do pecado.
Se só por si é suficientemente mau para ser absolutamente abobinável, quando o tema da pedofilia assume as proporções recentemente conhecidas no interior da igreja católica, isso torna-se completamente revelador dos malefícios que uma certa "igreja" traz ao mundo. Dizia à dias o Jorge Oliveira do "Canto do Jo" "que nem todos os padres são pedófilos, nem todos os pastores são charlatões" ; concordo em absoluto e dou graças a Deus por isso, e pelos muitos pastores e homens de Deus que eu próprio conheço e que são referências importantes enquanto verdadeiros ministros do céu, mas esse facto feliz não me impede de reconhecer que se estão a constituir em casos, não direi raros, mas cada vez mais difíceis de identificar por quem não conhece bem os meios em que cada ministro, e nós próprios nos movemos. Talvez por isso é que a ideia que passa para o exterior, para quem não compreende a mensagem do evangelho e nem percepciona a realidade da igreja, e não sabe, ou não quer distinguir a nuvem de Juno, porque normalmente toma uma pelo outro, é de que, precisamente, todos os padres serão pedófilos e todos os pastores charlatões. Uns e outros, pelos vistos, abundam por aí e, se não conheço bem a realidade da pedofilia, conheço razoavelmente bem a realidade evangélica para confirmar que o charlatanismo e a maldade enformam muitos ditos "pastores". Mas é pena que assim seja, e que igualmente a lucidez não se possa considerar uma virtude atribuível às massas e menos ainda a uma certa "media" cujo objectivo principal é vender papel ou conseguir "share". Com isto, são os cristãos fiéis e verdadeiros, e a verdadeira igreja cristã, que sofrem na carne uma perseguição verbal e psicológica que se avoluma ao ritmo do crescimento de uma bola de neve. Resta-nos o testemunho, o sermos Um com Ele, o marcar a diferença pela nossa atitude. A tolerância, o respeito, a humildade, o trabalho sério, o perdão, o Amor, são marcas distintivas e identitárias dos cristãos num mundo com o qual se torna cada vez mais difícil interagir. Talvez por isso o nosso desafio, enquanto cristãos, é muito maior num mundo "bestializado" e brutal em que não percebemos onde começa um homem e termina uma besta. Por vezes há uma fusão de brutalidade resultante de uma "bestialização" que esteve latente a aguardar uma ocasião e, como sabemos, a ocasião faz o ladrão.
***
Jacinto Lourenço