“Deus me mostrou com a tragédia no Haiti que não sou nada. Nossa vida não é nada.”
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“A Bíblia diz que isto aconteceria no final dos tempos. Desastres vão ocorrer, pessoas vão morrer aos montes, o mundo se destruirá.”
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Ouvi essas frases repetidas vezes nos últimos dias. Infelizmente, elas não geram fé, e sim um desânimo niilista que domina sutilmente nossa cultura cristã.
O niilismo, que é a negação da importância da vida, da moral e do bem, começou na filosofia quando a ideia de Deus como centro da vida foi sendo abandonada. Sem a transcendência de um Deus que nos cria, nos ensina e nos atribui valor, a vida humana se mediocriza, as individualidades se homogeneízam e tudo se nivela no nada. Sem o milagre do “imago Dei”, somos apenas animais racionais, condenados ao sofrimento perplexo.
Incomodo-me quando escuto cristãos falando isto: “Não somos nada -- chegamos a essa conclusão depois da tragédia”. Como assim não somos nada? Aquelas centenas de milhares de pessoas enterradas lá não são nada? Zilda Arns não é nada? Aquela esposa encontrada viva depois de seis dias debaixo dos escombros pelo marido incansável não é nada? Sua vida não tem importância, assim como a minha? Se tenho tais pensamentos, eles vieram da minha cosmovisão humanista e aleijada -- e não da Bíblia. A Bíblia nos revela um Deus que sofre por uma vida humana, por mais insignificante que nos pareça.
Somos aqueles a quem ele ama. Somos aqueles feitos por ele individualmente, cada um de nós predestinados para o bem, para a vida. Cada vida debaixo dos escombros tem um valor específico e transcendente e, por isso, será insubstituível. Deus conhecia a todos.
E o que dizer do: “Haverá terremotos, o amor se esfriará, haverá guerras”? Sim, está mesmo escrito. A conclusão a que chegamos é que está errada: “Portanto, porque está escrito, eu me acostumo, me adormeço numa passividade fatalista, pensando que ter fé é apenas esperar conformado que as desgraças aconteçam”.
Mais uma vez deixamos de conhecê-lo. Deus não tem dubiedade de intenção. Seu caráter é de luz, sem treva nenhuma. Quando ele nos alerta sobre o que há de vir, não o faz num ímpeto sádico de nos oprimir com a tragédia inexorável, mas como o pai que alerta seu filho do perigo, que o ensina a superar os problemas e as adversidades da vida, que prevê o mal para que se escolha o bem. A profecia nos instrui.
O livro de Apocalipse começa com: “Feliz aquele que lê as palavras desta profecia e felizes aqueles que ouvem e guardam o que nela está escrito” (Ap 1.3). Podemos aprender o que é fé com o jovem haitiano resgatado depois de dois dias pinçado num vergalhão embaixo das ruínas de um prédio de cinco andares: “Minha vida está nas mãos de Jesus. Estou feliz com ele”. O rapaz estava preparado, conhecia o caráter de Deus. Ele não se compraz no mal, mas é capaz de usá-lo para nos fazer o bem.
Haverá guerras e desastres naturais e o pecado vai aumentar; portanto, tenho que agir. Tenho que salgar para que o amor não se esfrie. Estabelecendo-se o niilismo, a ajuda humanitária desaparece. Vou me preparar, farei cursos de primeiros socorros, criarei um fundo de ajuda emergencial, mobilizarei uma equipe especial para responder aos desastres. Reconstruirei casas, restabelecerei a esperança nos corações que sofreram tantas perdas, falarei do amor daquele que nos ama, e não nos considera um nada.
Longe de me conduzir ao desânimo amargo do niilismo, uma leitura correta do Apocalipse me faz ter esperança de dias melhores. Porque eu estou aqui e, enquanto tiver vida, posso mudar as coisas ao meu redor.
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Por Bráulia Ribeiro Via Revista Ultimato