[ Titulo original do texto : Sem hora marcada para a compaixão ]
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O homem moderno tem hora marcada para quase tudo na vida. Depois dos gregos aprenderem a dividir o tempo, as acções humanas no ocidente foram compartimentadas de acordo com o instante em que deveriam acontecer. Ou seja, temos hora marcada para estudar, trabalhar, cultuar, etc. Todavia, algumas acções não devem seguir essa norma. A prática da compaixão é um exemplo de como não podemos exercê-la apenas em ocasiões devidas.
Contudo, com a ajuda dos gregos, foi isso que a religião fez. Das muitas coisas bizarras que inventou, a religião criou o tempo sagrado. Havia então o tempo oportuno pra cultuar e falar com a divindade. Fora do tempo sagrado o mistério não se comunicava. As pessoas ficavam à mercê da instituição sagrada do tempo. Os deuses tinham hora marcada para falar com o povo e ninguém possuía autoridade pra romper com essa coisa instituída. A religião então é a responsável e legitimadora da sacralidade do tempo.
Dessa forma, as acções sagradas, como o acto de compadecer-se de alguém, deveria acontecer em um tempo sagrado, o instituído pela religião, assim como também, o acto de adorar à divindade seguia o seu momento oportuno. Na modernidade, o domingo é sagrado para várias religiões. Entretanto, Jesus não dependeu de uma ocasião oportuna para atender a mulher hemorrágica que surgiu no meio do caminho enquanto ele estava indo atender a Jairo. Jesus não se esquivou da necessidade daquela mulher apesar de não ter hora marcada para ela.
A questão é que se não estamos no nosso tempo sagrado, dificilmente nos compadecemos. Se não for na sexta à noite, quando entregamos alimentos para os famintos e sedentos das noites frias, se não for no culto do assistencialismo social, se não for no domingo de ceia, se não for no momento sagrado da religião, não tenho porque me compadecer, porque é ela, a religião, que marca a hora para exercemos a compaixão. Só resta lembrar que quem marca a hora devida é a terrível necessidade, e a necessidade surge em momentos diversos, e por incrível que pareça, normalmente não é nos momentos sagrados.
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Fonte: Ivan Cordeiro***Via Hermes Fernandes