Oh! quão miserável é a sorte do homem que perdeu aquilo por que foi feito! Oh! quão dura e cruel aquela queda, pela qual tantas coisas ele perdeu! E que encontrou? Que teve em troca? Que lhe ficou?Perdeu a felicidade para a qual foi criado e encontrou a miséria para a qual certamente não foi feito. Afastou-se daquele sem o qual não há felicidade e ficou com aquilo que é, por si, mísero e caduco. Antes o homem alimentava-se com o pão dos anjos e agora, faminto, como o pão da dor, que sequer conhecia. Oh! luto comum dos homens, pranto universal dos filhos de Adão! Este tinha fartura de tudo e nós morremos de fome. Ele era rico e nós somos mendigos. Ele tinha felicidade e a perdeu miseravelmente, e nós vivemos infelizes, tudo desejando e, indigentes, ficamos de mãos vazias!Por que ele, desde que o podia facilmente, não nos conservou um bem tão grande, cuja perda havia de nos acarretar tantas aflições? Por que nos tirou a luz para que ficássemos nas trevas? Por que nos privou da vida para nos condenar à morte? Miseráveis!, de onde fomos expulsos e para onde fomos impelidos! De onde fomos arremessados e em que abismo fomos sepultados? Passamos da pátria para o desterro, da visão de Deus para nossa cegueira, da alegria pela imortalidade para o horror da morte! Que mudança funesta! De tão grande bem para tão grande mal! Perda lastimável, dor profunda, terrível fardo de misérias.
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Anselmo de Cantuária
(1033 - 1109)
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Via Soli Deo Glória