sexta-feira, 24 de junho de 2011

A Máscara do Pragmatismo



Hoje, "por dá cá aquela palha", faz-se uso da palavra pragmatismo, mas o que se esconde por detrás dela, e do uso que lhe é dado,  é o conceito associado a relativismo. A relativização  dos valores, dos padrões, dos comportamentos, dizem, leva a sociedade a resvalar para um modus vivendi  que já não assume  uma dimensão apenas ética, ou melhor dito, da falta dela. A moral,  deixou de ser apenas  desdenhada nas sociedades ditas democráticas para  passar  a valer zero.  É agora uma palavra que corre o risco de desaparecer da linguagem comum e  banida dos  dicionários. Talvez tenhamos, a breve prazo, que voltar a debruçar-nos seriamente sobre a semiótica dos comportamentos para tentar perceber o que nos está a acontecer.

Por qualquer coisa banal ou em qualquer conversa simples de intervalo para o café, por todo o lado, a qualquer hora e a título da desculpa mais esfarrapada que se possa encontrar, o que se ouve as pessoas dizer é : "há eu nisso sou muito pragmático" ou:  "quanto a esse aspecto sou totalmente pragmático".  Quer a introdução da palavra venha parar à conversa a tempo ou a destempo, a verdade é que o conceito que as pessoas pretendem  associar a pragmatismo tem mais a ver com relaxamento de processos e comportamentos do que com simplicidade de relacionamentos e construção da vida sem hermetismos conducente  ao não isolamento conceptual do mundo em que vivemos.

Pragmatismo não tem que ver com a lassidão dos  comportamentos sociais que se estão a tornar num barril de pólvora que pode explodir a qualquer momento.

Pais são "pragmáticos" com a educação dos filhos. As políticas, os partidos e os políticos, afirmam-se e entendem-se a si próprios o mais pragmáticos possível e as ideologias já não são reconhecidas nem nas suas próprias idiossincrasias e fazem quase parte da arqueologia da história da democracia. Organizações, empresas e igrejas acham que ser pragmáticas é que é actual. Os meios de comunicação defendem o pragmatismo da informação em prejuízo da objectividade, honestidade e oportunidade da mesma. Patrões e empregados entendem que as relações laborais devem ser pragmáticas para permitir a rápida adaptabilidade às mudanças. Enfim, podíamos ir por aí fora a esmiuçar, pragmaticamente, esta falsa questão do pragmatismo de que todos se reclamam.
 Mas voltamos ao princípio: o pragamatismo é a máscara moderna com que se pretendem encobrir o relativismo e o laxismo dos comportamentos nos eixos horizontal e vertical da sociedade.

Entraram, de facto,  as férias escolares que no meu tempo se chamavam grandes e que hoje são mais pequenas. Começam a circular pelas ruas, a qualquer  hora do dia ou da noite, "bandos" de adolescentes de várias idades.  Observo.  Parecem-me em completa roda-livre,  ostentando nas mãos, como se isso fosse um  ícone  de modernidade,  garrafas de toda a sorte de bebidas, longe da supervisão dos pais ou dos encarregados de educação. Assumem modos e  linguagem onde se detecta facilmente o gosto pelo pisar do  risco comportamental.  Sentem-se protegidos pelo "bando" quando lhes resvala o pé para a asneira, e resvala muitas vezes. Transportam a agressividade,  adquirida nas dinâmicas do grupo, para o interior dos relacionamentos com a família e os educadores, mas também com a escola e os outros estudantes e professores. Revelam falta de aquisição de padrões éticos e morais,  substituidos estes pelos valores do "bando"  face à  "pragmática"  ausência dos educadores que, descuidados das suas responsabilidades educacionais,  familiares e sociais, não percebem que o seu próprio comportamento os leva a perderem, a trecho breve, o controlo dos menores. 

Tornámo-nos, infelizmente, num país em que de há pelo menos uma geração para cá  a adolescência e a juventude já não são períodos da vida apenas irreverentes  mas sim  onde se denota uma confrangedora deseducação social e de vida em comunidade. Valores como o trabalho, a deferência social no interior das comunidades, a respeitabilidade, entre outros, já não fazem parte da educação dos filhos ou pelo menos não lhe são passados como prioridades de vida. As actividades dos adolescentes e jovens são calculadas e ajustadas aos interesses e aos horários dos pais e educadores  que não têm tempo no curto tempo que têm para os filhos  e para lhes poderem transmitir padrões éticos e morais que os apetrechem no sentido de poderem distiguir o bem do mal, o certo do errado.

Esta (a)normalidade assumida pelos comportamentos duma grossa fatia dos adolescentes e jovens portugueses, que se cruzam todos os dias connosco nas ruas urbanas, havemos de a pagar cara, mesmo se, felizmente há bastantes e gratas excepções que contrariam tudo o que aqui escrevemos sobre os jovens portugueses.  Mas Portugal irá pagar o preço da desatenção, falta de cuidado e irresponsabilidade de muitos pais e educadores dos tempos actuais que entendem  que cumular os "meninos" de tudo o que é gadget, jogos electrónicos, computadores,  roupa de marca, e bem assim oferecerem-lhe a possibilidade de ostentarem outros sinais exteriores de promoção de exibicionismo visualmente impactante no  "bando" os pode ilibar da ausência no acompanhamento dos seus educandos. Esta "pragmática" geração de educadores confunde relativismo com pragmatismo. Quem sofre é Portugal e os portugueses, as famílias, as escolas, as empresas, a sociedade em geral,  se não se resgatar ao "bando",  urgentemente,  a ética dos valores e a sua aprendizagem  no seio da família, subtraindo também os jovens e adolescentes ao isolamento quase autista  do brilho hipnótico de um ecran. A escola tradicional, e o ensino não resolverão, por si só, este problema, também  porque o pátio da escola já não consegue ser um lugar de recreação e socialização; tornou-se porventura numa feira de vaidades e exibicionismo,  quando não mesmo num campo de luta entre  elementos de gangs e  sala de aula não é sinónimo  de sala de estar das nossas casas. Mais tarde os pais dividir-se-ão na assumpção de culpas pelos malefícios que o seu "pragmatismo" provocou na educação dos filhos nos quais já não conseguem encontrar parecenças   com ninguém da linha recta na sua genética parental. Mas será tarde de mais. Voltar atrás, ao registo de comportamentos responsáveis socialmente, será uma actividade dolorosa e cara que deixará sempre marcas para a vida dos hoje adolescentes e jovens. Os pais hão-de recriminar-se por isso.


Jacinto Lourenço