segunda-feira, 27 de junho de 2011

Uma Carta de Séneca para Sócrates...


Consta que o  até há pouco tempo primeiro-ministro, José Sócrates, decidiu dar um rumo diferente à sua vida e ir um ano para França estudar filosofia. Acho que faz bem, até porque só o facto de ir para França já revela uma óptima opção desde que, claro, aproveite a ocasião para aprender alguma coisa... Terá em primeiro lugar que aprender Francês. Pode sempre aproveitar os domingos, à beira do Sena, que são sempre dias muito produtivos para aprender línguas, e ele até tem uma boa experiência nesse capítulo...

A razão de eu estar para aqui a arrazoar sobre a possível ida de José Sócrates para França com o declarado intuito de estudar filosofia tem a ver com as cartas que Séneca escreveu a Lucílio e de que incluo abaixo um excerto. Espero que José Sócrates aproveite bem o conteúdo deste breve excerto, talvez encontrasse mais facilmente um caminho para uma melhor abordagem do seu revelado, e quiçá repentino, interesse filosófico. Aí fica, meu caro. Com um grande bem-haja.


Jacinto Lourenço


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A Sabedoria

A filosofia, essa, ensina a agir, não a falar, exige de cada qual que viva segundo as suas leis, de modo que a vida não contradiga as palavras, nem sequer se contradiga a si mesma; importa que todas as nossas acções sejam do mesmo teor. O maior dever — e também o melhor sintoma — da sabedoria é a concordância entre as palavras e os actos, o sábio será em todas as circunstâncias plenamente iguala si próprio. "Mas quem será capaz de atingir um tal nível?" Poucos, decerto, mas mesmo assim, alguns! Não escondo que a empresa é difícil; nem te digo que o sábio avançará sempre ao mesmo ritmo, embora o rumo seja sempre o mesmo. Auto-analisa-te, portanto, e verifica se há discordância entre a tua roupa e a tua casa, se és pródigo para contigo mas mesquinho para com os teus, se é frugal a tua ceia mas luxuosa a tua habitação. Adopta de uma vez por todas uma regra de conduta na vida e faz com que toda a tua vida se conforme com essa regra. Há pessoas que se retraem em casa e que se expandem sem inibições fora dela; semelhante variedade de atitudes é viciosa, é indício de um espírito hesitante que ainda não achou o seu ritmo próprio. Posso explicar-te, aliás, donde provém esta inconstância, esta divergência entre os propósitos e as acçções. A causa é que ninguém fixa nitidamente aquilo que quer nem, se o fez, permanece fiel ao seu propósito, antes pretende ir mais além; e não se trata apenas de mudar de objectivo, acaba-se por voltar atrás e de novo cair na situação anteriormente rejeitada e condenada. Em suma, deixando as antigas definições de sabedoria e abarcando numa fórmula todo o ciclo da vida humana, acho que seria bastante dizer isto: a sabedoria consiste em querer, e em não querer, sempre a mesma coisa. Não é necessário acrescentar, como condição, que devemos querer o que é justo, porque só é possível querer sempre a mesma coisa se essa coisa for justa. Ora sucede que as pessoas ignoram o que querem excepto no próprio momento do querer; ninguém determina de uma vez por todas o que deve querer ou não querer; todos os dias se muda de opinião, mudança por vezes diametralmente oposta; para muitos, em suma, a vida não passa de um jogo! Quanto a ti, mantém-te fiel ao propósito que adoptaste, e assim conseguirás talvez atingir o ponto máximo, ou pelo menos um ponto tal que apenas tu compreenderás não ser ainda o máximo.



Séneca, Cartas a Lucílio II.20.2-6

( Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa: 2009. - trad.: J. A. Segurado e Campos )
 
 
Via Origem da Comédia