terça-feira, 3 de maio de 2011

A Beatificação de João Paulo II na Perspectiva de um Católico


Foi-me dado falar pessoalmente, no Vaticano, com o Papa João Paulo II. A impressão que me ficou foi a de um homem não propriamente afectivo, mas antes afirmativo e duro, ao contrário do cardeal Joseph Ratzinger, que me pareceu tímido e afável.

Se admirei João Paulo II? Admirei e admiro. Era um homem de convicções, corajoso, crente no Deus de Jesus; afirmou e reafirmou os Direitos Humanos; contribuiu para a queda do Muro de Berlim; escreveu uma grande encíclica sobre os direitos dos trabalhadores (Laborem exercens); perdoou àquele que quis assassiná-lo; reuniu em Assis os representantes das religiões mundiais para a oração; fez o possível para evitar a invasão do Iraque; foi um lutador incansável pelo que considerava ser a sua missão; viajou pelo mundo como mensageiro da Paz.

Foi dos homens mais populares do seu tempo. O mundo agradeceu-lhe, despedindo-se dele com milhões de pessoas no funeral. E o povo gritou que queria vê-lo rapidamente canonizado: "Santo subito."

Mas João Paulo II era apenas um homem, um homem do seu tempo, que vinha do leste e tinha uma certa visão da Igreja. Daí que não faltem vozes críticas quanto à sua actuação e, consequentemente, quanto à sua beatificação precipitada. Ele viveu grandes contradições, como, por exemplo, pediu perdão pelas culpas da Igreja ao longo da História ao mesmo tempo que continuou a condenar um grande número de teólogos, defendeu os Direitos Humanos para o mundo ao mesmo tempo que reprimiu quem dissentia das suas concepções doutrinais e teológicas. Pôs travão a horizontes abertos pelo Concílio Vaticano II, foi incapaz de rever algumas normas de ética sexual, opôs-se tenazmente a uma reflexão sobre a obrigatoriedade do celibato eclesiástico, recusou debater de modo sério o lugar da mulher na Igreja, pôs termo à teologia da libertação.

O facto é que a Igreja está numa crise profunda e muitos fiéis estão a abandoná-la ou encontram-se em autogestão da fé. Sobretudo, João Paulo II deixou uma herança dramática por causa do modo como terá lidado com os abusos de menores por parte do clero e com a figura perversa do fundador dos Legionários de Cristo, Marcial Maciel.[...]


Prof. Anselmo Borges in Diário de Notícias Online