Enquanto o blogger esteve "encostado" e me impediu qualquer postagem fui dando atenção a outros assuntos a que habitualmente não atendo. Já disse que só vejo a televisão que quero ver; as designadas "boxs" modernas dão-nos a possibilidade de agendamentos de gravação de programas que veremos quando tivermos tempo ou nos apetecer. Tirando um ou outro programa de informação, desporto, e um ou outro tema que colhe o meu interesse, por mim as televisões generalistas faliam todas e de certeza que isso contribuiria muito mais para a nossa felicidade terrena e também para a de todos os trabalhadores que fazem dos media o seu ganha-pão.
Sobrou-me algum tempo para ver uma reportagem num canal do cabo sobre os Amish, nos Estados Unidos da América, que incidia particularmente sobre o ostracismo a que os elementos desta comunidade são votados por eventualmente terem caído na "asneira" de contestar as regras impostas pelos líderes, por mais estúpidas, anti-bíblicas e até anti-cristãs que possam ser, como por exemplo, não poderem estudar a bíblia sózinhos em casa ou em conjunto com outros crentes da sua comunidade sem ser em reunião de igreja, não poderem pintar as suas carroças com cores não autorizadas, usar suspensórios de modelo não homologado, conduzir um carro de tracção mecânica, estudar para além do 8º ano de escolaridade ou usar roupas de um "estilista" mais ousado que se decida por uma nova e "arrojada" abordagem à largura da fita usada nos chapéus de palha.
Qualquer Amish que caia num dos "pecados" apontados, é levado a humilhar-se e arrepender-se numa reunião magna da igreja; se decidir manter a inteligência espiritual de não se vergar à estupidez humana, sempre imposta em nome de Deus, mas do deus dos Amish que, claro, é um deus muito cioso das fitas dos chapéus, dos supensórios e do modelo e cor das toucas usadas pelas mulheres, para além da cor das carroças ou outras questões da mesma "relevância" destas, se for por aí, pela desobediência, então é posto de parte e ostracizado para sempre pela sua comunidade de origem. Os outros membros, inclusive os seus familiares mais próximos, correm o mesmo risco de expulsão e marginalização se mantiverem contactos com eles. Para um Amish, que viveu toda uma vida sujeito a uma disciplina férrea e pavorosa, mas também a uma vida comunitária sem dúvida de grande e excepcional entre-ajuda, isto pode ser o príncipio do fim de uma vida, se ele ou ela não conseguir encontrar uma alternativa para continuar a expressar a sua fé inserido numa outra comunidade que o aceite ou se não optar por dar seguimento à sua vida religiosa, social e profissional procurando a inclusão na sociedade fora do redil Amish.
Como é sabido, Os amish, que se fixaram nos Estados Unidos desde o século XVIII, pretendem ter uma vivência rigorosamente à margem da sociedade o que, logo à partida, fere os príncipios bíblicos e os ensinos de Cristo. Não cumprem serviço militar, não estão integrados em sistemas estatais de Segurança Social nem permitem que os seus membros recebam assistência médica promovida pelo governo. Eles "assistem-se" uns aos outros e pagam as contas médicas ou hospitalares uns dos outros em caso de necessidade. O seu principal desiderato é viver a pureza do evangelho providos apenas daquilo que é mais elementar ao desenvolvimento da vida humana. Até aqui, nada de mal, o problema é quando estes descendentes de Anabatistas europeus se tornam fundamentalistas odiosos e acham que alguém que use arreios nos seus cavalos sem serem homologados pelos líderes da igreja deve ser automaticamente condenado ao inferno...
O fundamentalismo é mau em todos os capítulos da vida, mas a história ensinou-nos, ao longo de muitos séculos, que quando ele prolifera nos meios religiosos, deixa de ser apenas mau para se tornar nefasto, hediondo e perigoso, e não apenas para a fé, ele pode atingir a totalidade da expressão da vida humana. Mas que não se pense que isto é exclusivo dos Amish ou para os católicos...
Durante cerca de 35 anos vivi numa igreja evangélica onde em 1971 aceitei Cristo como Salvador. Fui percebendo ao longo dos tempos que a maior parte das regras que eram impostas aos membros dessa igreja, nas suas diversas congregações a nível nacional, não tinham nada a ver com cristianismo, salvação, bíblia ou fé, mas que resultavam apenas da vontade e interpretação criativa e abusiva da bíblia por parte dos líderes, muitas vezes despóticos e apenas interessados em manter o seu stato quo acima de tudo mesmo da própria igreja. Uma boa parte deles completamente impreparados para exercerem qualquer lugar de oficial da igreja, quanto mais para estarem à frente do rebanho de Deus.
Ver televisão, vestir-se de acordo com a moda, as calças nas mulheres, o cabelo mais comprido nos homens ou mais curto e pintado nas mulheres, festas públicas ou privadas, tocar bateria nos cultos, etc, eram coisas tabu que suscitariam que qualquer membro tivesse que se retratar perante a comunidade pela sua "deriva espiritual" ou do seu comportamento desviante e grave... Como com os amish, também eram marginalizados, disciplinados e ostracizados se recusassem retratar-se das suas "más acções". A auto-censura dos membros foi uma constante sempre povoada pelo medo de serem "apanhados" em "transgressão". Gerava-se informalmente no seio das comunidades uma pequena "pide" ao serviço dos ministérios e presbitérios composta, claro, pelos membros mais "espirituais", que tratavam de levar voluntariamente as informações dos alvos observados aos líderes que rapidamente instituiam o auto de fé se o membro "desviado" não se retratasse. A denúncia do exercício de "profissões perigosas", como por exemplo cabeleireira ou bilheteiro em teatros ou cinemas, eram alvos potenciais para exercitar a disciplina "espiritual" a partir do púlpito nas reuniões da igreja. Estas "redes pidescas" eram afinal compostas por gente acometida por uma grave doença psicológica e espiritual que não queria tratar; e o remédio era simples: ler a Palavra de Deus colocando-se sob a acção do Espírito Santo com o propósito de aprender a verdade das Escrituras, em lugar de descontextualizar o que liam ou arreigarem-se a versos soltos da Bíblia construindo com eles um corpo de doutrinas éticas e morais que nada tinham de cristão. Não, isto não se passava no século dezoito, isto foi uma prática instituida e generalizada que perdurou até ao final da primeira década do século que vivemos. E acabou (ou não acabou ainda em algumas comunidades) não porque os doutos "pastores", ministérios e presbitérios das igrejas reconhecessem que eram práticas anti-bíblicas e assentes em fundamentalismos idiotas e perigosos, mas apenas pela pressão que as novas gerações, particularmente a partir da década de 70 do século passado, foram exercendo no interior dessas igrejas. No entanto, em nome destes fudamentalismos criminosos, muitos foram os homens e mulheres cristãs e até famílias completas, que foram ostracizadas, espezinhadas, esmagadas e ofendidas nos seus mais elementares direitos cristãos e humanos pelos ditos "oficiais" da igreja que, para sobreviverem nos seus postos de trabalho à custa do obscurantismo, instituiam, no seio das comunidades cristãs, a matriz do ódio e da anormalidade, embora quisessem fazer parecer o contrário, talvez tomando o "piedoso" exemplo do Tribunal do Santo Ofício.
O nome do deus em que durante anos se apoiaram para levar por diante estas práticas, é o mesmo dos amish, mas não tem nada a ver com Cristo ou com o Deus verdadeiro, que é um Deus de Amor, perdão e Graça. Acredito até que, por ter fama de andar muitas vezes "mal acompanhado", o meu Senhor Jesus, caso tivesse pertencido fisicamente à mesma comunidade cristã que eu, não tardaria muito tempo a ter sido excluido e ostracizado por todos os membros que, em igrejas do tipo daquela a que pertenci até há alguns anos atrás, silenciaram sempre a defesa da verdade bíblica. Por medo ? Por falta de coragem ? Por falta de conhecimentos bíblicos ? Falta de cultura ? Ausência de verticalidade ? Conformismo ? Inexistência de amor cristão ? Personalidades distorcidas ? Fixação cega e doentia no líder ? Talvez um pouco de tudo. Calar a verdade e a razão cristã fundada no Bíblia Sagrada é uma ofensa a Deus e as comunidades que o fazem, mesmo que levadas a isso pelos seus líderes, estão irrevogavelmente condenadas ao desaparecimento, face à exaustão espiritual que exibem, e a responderem em Juízo perante Deus pelas suas cumplicidades indignas. Pela minha parte jamais o farei, jamais aceitarei a vontade ou ditame de qualquer homem que não se funde explícita, clara e contextualizadamente na Bíblia Sagrada, tal como nunca me conformarei com deuses menores ou líderes corruptos ou ineptos que nas igrejas perseguem apenas o seu próprio interesse ou a defesa do seu salário somado a regalias absurdas que ninguém tem a coragem de questionar ou contestar, mesmo se elas são ofensivas, indignas e irresponsáveis à luz da Palavra de Deus. E isto não é válido apenas para o âmbito cristão. É para tudo na vida.
Jacinto Lourenço