terça-feira, 10 de maio de 2011

Eça de Queiroz e a Janela que dava para o Futuro do País...



O sentimento que hoje domina os espíritos perante a política é sobretudo a desconfiança. Sente-se um vago receio. O governo está trémulo, a oposição inquieta, os homens dos pequenos partidos sem saber onde ir buscar a sua força e o seu apoio - o povo, descontente.
Presente-se que se vão passar os grandes factos que resolvem as crises políticas com as crises da doença. Mas o quê ?  Hoje não há no país nenhuma ideia predominante, nenhum princípio querido, nenhum grande sistema surdamente combinado, nenhum vasto plano de organização social. Os homens políticos têm-se ocupado naquele embate de ambições, de intrigas, de transacções, de regulamentos, de reformas imperceptíveis, em todo aquele movimento que ondeia lentamente de S. Bento às secretarias e das secretarias ao conselho de estado. Fora desse movimento nada sabem, nada aceitam.
Quando vier o momento do perigo, a que se há-de recorrer, a que ideia, a que sistema, a que método de governar ? Vai-se procurar aos partidos políticos e encontra-se lá um vazio; eles tinham-se só movido - não tinham pensado. As nossas finanças estão perdidas, a nossa instrução esquecida, o nosso exército desorganizado, o nosso funcionalismo corrupto, as nossas leis dispersas, o nosso comércio enfraquecido, a nossa autoridade moral perdida. De quem é a culpa ? Não é destes nem daqueles, é da fatalidade das decadências. Se amanhã o país se encontrar na hora da agonia, e se  perguntar aos que pensam, aos que governam, aos que andam com o cérebro alumiando a marcha - se se perguntar :  que havemos de fazer ?, é possível que eles respondam, e com justiça, sucumbir !



Eça de Queiroz - in Distrito de Évora



( Eça de Queiroz, Citações e Pensamentos, Casa das Letras )